Não é tarefa fácil dizer o significado de
princípio dentro da ciência jurídica. É complicado até mesmo para a doutrina deitar
palavras que trazem segurança a esta conceituação, considerando que há grande
controvérsia travada entre doutrinadores de peso.[1]
No entanto, nos importa tecer algumas
palavras, dentro dos limites impostos por este trabalho, ou seja, traçar uma
linha geral do que são os princípios jurídicos, especificamente aqueles que
influenciam diretamente sobre o processo de execução.
É importante termos em vista que todas as
ciências são compostas por princípios específicos ao campo de atuação
pertinente, não sendo o direito a única ciência portá-los.
Os princípios são conceituações e
significados que compõe as bases de uma ciência, de uma teoria. São verdades
abstratas que sustentam todo um sistema e autorizam a proliferação do
desenvolvimento de uma ideia.
Para melhor ilustrarmos, dando uma definição
geral do que vem a ser os princípios jurídicos, recorremos a Celso Antônio
Bandeira de Mello que os definiu da seguinte maneira:
[...] mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua
exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. (MELLO, 1971 apud
SILVA, 2008, p. 91).
Os princípios jurídicos estão presentes por
todas as partes do ordenamento, uma vez que, são eles os responsáveis pela
positivação das normas, assumindo várias funções. Eles estão insculpidos na
base das regras legais, sendo muitas vezes os responsáveis pela inspiração do
legislador.
Os princípios servem como sustentação das
normas e até mesmo para o preenchimento lacunas resultantes da ausência de lei
ou de defeitos da norma, agindo como fonte subsidiária. “Nesses termos, os
princípios seriam guias utilizados
pelo operador jurídico”. (MEDINA, 2004, p. 54).
Podemos assim concluir que os princípios
estão disseminados por todo o ordenamento, como se fosse a seiva de uma grande
árvore, percorrendo desde a raiz até os seus frutos.
Interessa trazer à luz que os princípios,
por serem compostos de carga valorativa (axiológica), muitas vezes eles se
atritam, de modo que o intérprete deverá observar qual princípio deverá ser
deixado de lado para a aplicação de outro. (MEDINA, 2004, p. 61).
O processo de execução, como qualquer outro
ramo do direito, é influenciado pelos princípios. Alguns se apresentam em
outras ciências enquanto que outros estão exclusivamente para a execução.[2]
Para melhor compreensão dos limites da
tutela jurisdicional executiva e de sua agressividade frente o patrimônio do
devedor é que analisaremos alguns princípios.
Não há uniformidade na doutrina na
discriminação nem na especificação dos princípios que atuam sobre o processo
executivo, de modo que alguns autores abrangem vários princípios enquanto que
outros se limitam a apresentar um rol bem reduzido. (DIDIER et al., 2012, v.
5).
Doutro vértice, ficaremos adstritos aos
princípios inerentes à tutela executiva, de maneira que não falaremos dos
princípios constitucionais ou dos princípios gerais do processo civil. Passamos
abaixo à apresentação dos princípios que, frequentemente, são abordados pela
atual doutrina nacional.
1 Princípio do
título (nulla executio sine titulo)
É no título executivo que se remonta todo o
processo executivo. Não é possível efetivar direitos sem antes ter certeza
contra quem se voltará a mão do Estado-juiz; o que ou quanto deverá ser exigido
do devedor; e, quando a obrigação restará vencida. Estes três fatores devem
coexistir no título executivo para que possamos falar em execução, isto é o que
bem expõe os arts. 586 e 618, I do CPC.
Porém, antes ainda de se falar em obrigação
certa, líquida e exigível é preciso que o legislador tenha dado ao fato jurídico
litigioso força executiva. É o que expusemos linhas acima quando cuidamos da
abstração do título executivo.
Com isso quer se dizer que é sempre preciso
se ter um título com eficácia executiva para se permitir atos de agressão ao
patrimônio do devedor, corroborando com o princípio da nulla executio sine titulo, ou seja, nula a execução sem título
executivo.
Assim para este princípio é de suma
relevância a existência de título que esteja afirmado pela lei, contido no rol
dos arts. 475-N e 585. De acordo com estas considerações cria-se uma facilidade
no manuseio do processo, ficando às claras as condições para o credor alcançar
medidas executivas.
Todavia, com as reformas realizadas no
Código de Processo Civil ocorreu um alargamento das possibilidades de se
efetivar o direito, sem credor estar de posse de um título executivo
pré-estabelecido pelo legislador. É o que se dá com as medidas antecipatórias,
preventivas e satisfativas proferidas no início ou no curso do processo,
mitigando o princípio da nulla executio
sine titulo.
Estas medidas executivas são deferidas pelo
juiz quando verificado que o direito em jogo faz jus a efetivação já no início
do processo, ou em seu curso. Temos as normas 273, 461 e 461-A, todos do CPC,
que possibilitam a realização material da pretensão do titular do direito sem
que ele esteja de posse do título executivo.
Estas execuções foram denominadas por José
Miguel Garcia Medina como execução sem título permitida, ante a limitada
cognição judicial e com mitigada carga declaratória, aliado ao fato de não
repousar os efeitos do princípio da abstração e sem lei que atribua força
executiva a estas decisões, que no caso são decisões interlocutórias.
Pode-se dizer, com outras palavras, que quando
incide o princípio da nulla executio sine
titulo impõe-se ao juiz atuar de modo apolítico e neutro, e o sistema
vale-se deste mecanismo quando pretende reduzir
o poder de atuação executiva do juiz. Nos casos em que incide o princípio
da execução sem título permitida, ao contrário, requer-se um juiz ‘politizado’, capaz de fazer as escolhas que o
legislador não pode ou não quis realizar.
Ao não atribuir a devida importância ao
fenômeno apontado, contribui-se para o obscurecimento dos mencionados
institutos jurídicos, tratando como iguais estruturas jurídicas que são
bastante diferentes.
Coexistem, assim, no direito processual civil
brasileiro, no que respeita à necessidade de título executivo para a realização
da tutela jurisdicional executiva, dois princípios: o princípio da nulla executio sine titulo e o princípio
da execução sem título permitida. (MEDINA, 2004, p. 141).
No entanto, o tema é controvertido, vez que,
diversamente entende Araken de Assis.
O princípio da nulla executio sine titulo “não é eliminado na emissão de
provimento antecipatório: as decisões respectivas, fundadas nos arts. 273, 461
e 461-A, antecipam o título, como acontece por força de outros dispositivos
esparsos (v.g., art. 701, §2º, in fine:
‘[...] valendo a decisão como título executivo’). Tudo dependerá da natureza do
provimento ou da força da ação (retro,
3), e não do grau de cognição desenvolvida pelo órgão judiciário. (ASSIS, ,
2012, p. 111).
O professor Cássio Scarpinella Bueno (2012) salienta
que o Código de Processo Civil acolhe o princípio da nulla executio sine titulo, afirmação esta saliente nos arts. 475-N
e 585. No entanto, para ele, o princípio deve ser lido de maneira mais ampla,
pois, com as várias reformas que o Código sofreu abriu-se a possibilidades de
se encontrar títulos executivos não somente no rol dos artigos
supramencionados, mas no sistema processual civil. Alerta ele que o que
modificou foi a conceituação de título executivo, não corroborando com o teoria
de que título é antecipado pelo juiz ou, ainda, que existe uma execução sem
título. Ora, é pertinente trazermos à baila as suas palavras:
O que é desejável, contudo, é que, por força
das considerações expostas, com a invocação das vênias de estilo, entenda-se
que as ‘Reformas do CPC’ alteraram profundamente a compreensão dos títulos
executivos e não a compreensão, esta ainda vigente e atualíssima, de que o
Estado-juiz, para praticar atos executivos voltados à prestação da tutela
jurisdicional executiva depende de um título
que legitime o seu agir, título que preexista, mesmo que perfunctoriamente, à
sua atividade. Há, portanto, execuções fundadas em títulos executivos que vão
além da compreensão tradicional das listas que hoje ocupam os arts. 475-N e 585,
mas que, mesmo assim, ainda atestam suficientemente o que importa mais de perto
para o princípio aqui exposto, o que seja, que a atividade jurisdicional
executiva pressupõe sempre e em qualquer caso o prévio - e suficiente - reconhecimento
do direito. Se o sistema processual admite, em ritmo crescente, a
possibilidade de este reconhecimento do direito dar-se por outras formas que
não as constantes daqueles dispositivos, o princípio deve ser repensado para
albergar também aquelas hipóteses.
(BUENO, 2012, p. 56).
A discussão é acirrada, porquanto, trazem
conceitos e fundamentos muito coerentes, não sendo da alçada deste estudo
julgar qualquer que seja. O que importa é enriquecer o trabalho com estas
considerações e demonstrar que aquele que autoriza as medidas executivas ou que
eleva fato jurídico a título executivo deve estar muito acertado e cientificado,
previamente, não só do direito posto em juízo como, principalmente, dos efeitos
provenientes dos atos decorrentes do processo às partes envolvidas e até a um
terceiro de boa-fé.
Portanto, de acordo com princípio aqui
abordado, aquele que intenta pleitear a efetivação de seu direito deverá estar
munido de título executivo extrajudicial contido no art. 585 (ou em legislações
esparsas) ou de título executivo judicial, devendo compreender neste ponto não
apenas os inseridos no art. 475-N, mas, também as decisões judiciais com força
executiva.
2 Princípio da
efetividade
Com as reformas legislativas já analisadas
no primeiro capítulo deste trabalho, percebemos que o legislador tem focado
suas forças sobre o processo executivo, tentando torná-lo mais célere, justo e
efetivo.
O princípio da efetividade está diretamente
ligado ao princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional cravada no art.
5º, XXXV da CF. Por este princípio devemos entender que não se trata de
simplesmente ter acesso ao Judiciário, mas sim, ter direito de exigir o acesso
a uma tutela que materialize o direito reclamado de maneira rápida e justa.
É preciso que o exequente satisfaça seu
crédito, e, para isso o Estado deve estar municiado de possibilidades que
aproximem ao máximo a tutela jurisdicional da obrigação que deveria ter sido
cumprida voluntariamente. Esta leitura deve ser realizada sem perder de vista
que o mecanismo a ser adotado respeite também a pessoa do executado.
Assim não há como falar em efetividade se o
processo é constituído de atos arbitrais e parciais, ou ainda, se se trata de
um meio moroso, sem ritualidade coordenada.
O princípio da efetividade só será exercido
se o Estado-juiz, constantemente, aferir os valores jurídicos que estão
colocados em jogo frente os valores obrigacionais que se está procurando fazer
cumprir por meio do processo executivo.
3 Princípio da
tipicidade e da atipicidade
Este princípio determina que as medidas
executivas a serem utilizadas devam estar previamente estabelecidas pela norma
jurídica. Por meio dele é possível ao devedor eleger qual será a melhor maneira
de defesa, haja vista que, previamente, ele estará cientificado da forma que
seu patrimônio será constringido; ao credor caberá socorrer-se aos numerus clausus que expõem os meios de
constrição possíveis. Atualmente o princípio da tipicidade rege a execução por
quantia certa, estabelecendo quais são as modalidades de expropriação dos bens
do devedor. (MEDINA, 2008, p. 49).
Já em contrapartida, tem-se o princípio da
atipicidade das medidas executivas, que estão latentes nas execuções de
obrigações de fazer ou não fazer, de entrega de coisa certa e nas antecipações
de tutela (arts. 461, 461-A e 273 do CPC). Este princípio determina que para a
execução de medidas executivas não é preciso à exposição de um rol exaustivo na
lei.
O Estado-juiz deve verificar qual a forma
mais adequada para a execução de medidas coercitivas e efetivar o direito, não
importando a inexistência de artigo específico que delimite o meio elegido.
Basta aferir qual o grau de previsibilidade de provimento e de certeza do
direito em jogo para que se determine a prática da medida executiva apropriada
ao caso. Note-se a redação do art. 461, § 5º:
Art. 461, § 5º. Para a efetivação da tutela
específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de
ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a
imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e
coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário
com requisição de força policial.
Demonstra-se por este artigo que não há um
rol taxativo de medidas, mas sim, um rol exemplificativo, de maneira que o juiz
poderá lançar mão de medida que sequer está ali inserida, porém, que ao seu ver
seria mais pertinente ao caso concreto.
A atipicidade
dos meios executivos tem cabimento, portanto, nos casos em que a lei não
fez escolhas expressas quanto aos mecanismos de efetivação das decisões
judiciais ou quando as escolhas existentes se mostrem, em cada caso concreto, insuficientes porque desconformes ao
‘modelo constitucional do processo civil. (BUENO, 2012, p. 61).
E nisto evidencia o princípio da atipicidade
que a cada reforma vem tomando mais espaço dentro do ordenamento processual
civil.
4 Princípio da
responsabilidade patrimonial e princípio do resultado
Consoante a leitura do art. 591 do CPC,
verifica-se que a execução recairá sobre os bens presentes e futuros do
devedor. Por esta via, a expropriação seria o meio executivo por excelência,
cumprindo a lei e garantindo vida a este princípio.
A responsabilidade patrimonial é fruto da
humanização das penas e a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana,[3] pois,
se na Roma Antiga era possível desde a venda do devedor até sua morte, hoje a
penalização não pode recair senão sobre os seus bens.
É o que percebemos com a extinção da prisão
do depositário infiel, que está solidificado na Súmula Vinculante nº 27 da
Excelsa Corte e no Enunciado de Súmula nº 419 do Superior Tribunal de Justiça.
Esta impossibilidade de reduzir o devedor a condições sub-humanas fez com que o
legislador revestisse alguns de seus bens de impenhorabilidade, como expressa o
rol do art. 649 do CPC, garantindo a sobrevivência ao devedor. (DIDIER et al., 2012, v. 5, p. 52).
No entanto, como expusemos linhas acima,
algumas vezes os princípios se conflitam e devem dar lugar a outro para que o
equilíbrio se estabeleça na relação processual.
É o que ocorre na execução indireta, ou
seja, a responsabilidade não recai sobre o patrimônio do devedor, pois, o
Estado, para forçar o cumprimento da obrigação, impõe medidas que influem o
psicológico do executado para que ele conclua que o melhor é realizar a
prestação devida.
A pressão do Estado não se dará sobre o
patrimônio, porque, nestes casos, é o credor que define a maneira que a
obrigação será cumprida, é ele que escolhe a definição do resultado da lide: se
por meio coercitivo ou se a obrigação se converterá em perdas e danos.
Dispõe o ordenamento desta forma porque o
credor tem o direito à tutela específica ou o equivalente ao que se esperava
que o devedor cumprisse espontaneamente; o resultado é direito assegurado pelo
título ao exequente.
Em tal condição de inutilidade do patrimônio
do devedor, vemos o princípio da responsabilidade patrimonial ceder espeço ao
princípio da primazia da tutela específica (ou princípio da maior coincidência
possível, ou princípio do resultado).
Em ambas as situações deveremos sempre ter
em vista outros princípios como da dignidade da pessoa humana, da menor
onerosidade e máxima efetividade, da boa-fé processual, e outros mais.
5 Princípio da
disponibilidade
Diversamente do que ocorre com o processo
cognitivo, o exequente pode a qualquer momento desistir da execução ou de alguns
atos executivos sem o consentimento do executado.
No processo executivo não existe a
bipolaridade que compõe o processo de conhecimento. Aqui o executado não tem
possibilidades de reverter o quadro apresentado pelo exequente, em razão de que
o título executivo é causa suficiente para assegurar o impulso do processo, não
interessando o direito material a ele subjacente.
Em virtude deste princípio o exequente pode
desistir a da execução interposta contra um ou, contra todos ou contra qualquer
um dos executados, observando sempre a regra do art. 569 do CPC.
A disponibilidade da execução significa
garantia à imparcialidade da jurisdição, pois, não cabe ao Judiciário dar
impulso processual de oficio para a cobrança do crédito, ainda mais nos casos
em o próprio credor desiste da marcha executiva. (BUENO, 2012, p. 58).
A ressalva que se faz é com relação ao
consentimento do executado. Se houver apenas defesa processual, então o juiz
extinguirá o feito sem ouvir o devedor; todavia, se há oposição do devedor -
por meio de impugnação, embargos, exceção de pre-executividade ou ação de
impugnação autônoma - relativo ao mérito da matéria, então o juiz deverá ouvir
o devedor, cumprindo o art. 569 do CPC. (ASSIS, 2012, p. 119).
6 Princípio da
adequação
O sistema processual vigente impõe que os
meio executivos devem ser efetivados de acordo com a obrigação exigida. Deve
existir uma harmonia entre a prestação exigida pelo credor e a maneira que será
imposta ao devedor para o cumprimento.
Ainda que a obrigação seja realizada contra
a vontade do devedor, sempre há que se observar a idoneidade do meio a ser
empregado, sob pena de se provocar arbitrariedades violando o princípio da legalidade.
Este é um dos princípios que garantem ao
devedor que a execução não é uma conspiração armada contra ele, servindo como
base jurídica para o executado manifestar-se acerca de eventuais abusos ou práticas
descomedidas contra ele ou terceiros.
O princípio d adequação é apalpável quando,
por exemplo, é imposto pela lei que a adjudicação deve ser realizada pelo preço
da avaliação (art. 685-A do CPC), ou quando se permite a substituição de bem
penhorado (art. 656, do CPC), tudo visando adequar o bem jurídico perseguido ao
meio executivo utilizado.
7 Princípio da
máxima efetividade e da menor onerosidade possível
Este princípio foi insculpido pelo
legislador no artigo 620 do CPC, como uma maneira de frear a agressividade
executiva sobre o patrimônio do devedor.
Ela é fruto da humanização da execução,
buscando não deixar o executado reduzido à situação de penúria. É um princípio
que deita origens no princípio da dignidade da pessoa humana, também
inspiradora do artigo que trata das impenhorabilidades. Tomamos como exemplo a
arguição de excesso de execução (art. 745, III do CPC), a inadmissibilidade de
lenço vil na segunda praça ou leilão (art. 692 do CPC) e etc.
Entretanto, este princípio não pode servir
de abrigo para os maus pagadores, de modo que ao aplicá-lo o juiz sempre deverá
observar qual será o ponto de equilíbrio da relação, vez que, “é na execução
que as expectativas das partes se encontram em maior crise, e o juiz não pode
ficar alheio a esta tensão.” (MEDINA, 2008, p. 53).
O professor Candido Dinamarco (2009, p. 63),
salienta que é preciso estar atento para diferenciar o devedor de boa-fé
daqueles que não guardam qualquer preocupação com sua credibilidade, e, é
taxativo ao dizer que “quando não houver meios mais amenos para o executado,
capazes de conduzir à satisfação do credor, que se apliquem os mais severos”.
O que se quer na verdade é que se aplique
este princípio sem que a execução seja fadada ao fracasso, ou seja, sem
desprezar o princípio da efetividade, também presente na execução. Somente com
respeito a estes dois princípios é que teremos uma execução equilibrada.
(BUENO, 2012, p. 63).
8 Princípio da
boa-fé processual
Esta é uma cláusula geral que está espalhada
pelo ordenamento jurídico atual. Hodiernamente é inaceitável que as partes e o
próprio Estado-juiz pratiquem atos não condizentes com a boa-fé e, em matéria
de execução deve-se ter cuidado redobrado, uma vez que “a execução é solo
fértil para a prática de comportamentos contrários ao princípio da boa-fé.”
(DIDIER et al., 2012, v. 5, p. 301).
Ela espelha o dever segundo o qual as partes
devem agir sem abusos, não colocando tropeços no curso da marcha executiva.
Também nos remonta ao entendimento de que não podem as partes agir com má-fé.
A boa-fé é o antagonismo da má-fé, do abuso
de direito e da deslealdade. Buscamos na doutrina material o conceito deste
princípio perfeitamente cabível na esfera instrumental:
Boa-fé objetiva significa uma atuação
refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual,
respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas
razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abusos, sem obstrução, sem
causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das
obrigações. (MARQUES, 2012, p. 284).
Desta monta, vislumbra-se que a boa-fé
processual deve ter o mesmo significado, ou seja, não pode o executado obstruir
a execução, ocultar bens passíveis de penhora, fraudar a execução, tumultuar a
marcha executiva. Da mesma forma na cabe ao exequente se valer da execução para
deitar abusos sobre o devedor, averbando todos os bens do devedor quando apenas
um bastaria para a satisfação de seu direito, ou acrescendo juros indevidos ao
valor principal, forçar que a penhora recaia sobre bem com valor sentimental e
que não alcança nem o valor das custas, etc.
Ora, por este princípio o interesse de
ambos, exequente e executado, devem seguir entrelaçados, não podendo o devedor
omitir o cumprimento/pagamento da prestação devida nem o credor valer-se de
medidas desproporcionais para a cobrança, manipulando a execução de maneira
abusiva.
9 Princípio da
proporcionalidade
Sabemos que a execução é composta de fases e
que dentro de cada uma delas é preciso que o juiz visualize os fatos e escolha
qual a forma mais adequada para que sua decisão convalesça perante as partes.
São nestes momentos em que deve ocorrer um
juízo de valor entre a medida optada, o bem jurídico tutelado e o objeto a ser
constringido. Este movimento que o julgador faz deve ser ajustado pela
proporcionalidade.
A sanção executiva deve estar regida pela
harmonia entre os valores que estão em jogo e a maneira como eles serão perseguidos
para satisfação do credor. E assim falamos porque no processo executivo não há
um contraditório aberto, amplo, em que as partes dialogam com certa frequência,
em que o direito é controvertido; ora, estas são características do processo
cognitivo que tem como escopo a declaração de um direito.
A tutela executiva, ao contrário, busca a
realização do direito e para isso vai ao encontro do devedor por meio de
imposição de medidas diretas ou indiretas de execução; assim, não poderia ser
outro o resultado senão o conflito entre vários princípios, como exemplo ocorre
com a efetividade que se choca com o princípio da mínima constrição possível, ou
ainda, a o princípio da tipicidade se atrita com princípio da atipicidade.
Para manter a balança equilibrada é preciso
que o princípio da proporcionalidade esteja à frente de cada decisão tomada
pelo Estado-juiz, sob pena de autorizar medidas executivas carregadas de
parcialidade, abusividade, repudiadas pelo ordenamento constitucional, nulas em
uma linguagem mais técnica.
Medidas executivas como a quebra do sigilo
bancário da pessoa em favor do bem, a determinação da prisão o devedor de
alimentos, o requerimento do executado para substituição de bem penhorado e
outras mais, são exemplos de atos executivos que devem ser regidos pela
proporcionalidade dos bens jurídicos tutelados e dos direitos subjetivos
colocados em jogos.
10 Princípio do
contraditório
Usualmente, se diz que na execução o
contraditório é mitigado, ou que, quase não há contraditório. Porém, na prática
não é isso que ocorre. Ao visualizarmos os elementos autorizadores da execução
(título executivo e inadimplemento) parece-nos, teoricamente, que o juiz não
desenvolverá nenhuma atividade cognitiva face a rigidez e autenticidade dos
fatos jurídicos que embasam a execução.
No entanto, o contraditório é princípio
fundamental do Estado de Direito, garantia constitucional prevista no art. 5º,
LV da Carta Magna, de maneira que todo processo, administrativo ou judicial,
deve cumpri-lo, vez que, em não o observando tornará todo o processo
imprestável.
Lógico que no processo de execução o
contraditório não é amplo como no processo cognitivo, sendo “eventual na parte
concernente à defesa do executado”. (DDIER et al., 2012, v. 5, p. 55) Até
porque, neste o requerido é chamado para defender-se enquanto que naquele o
executado é convidado para pagar ou cumprir a obrigação, pouco importando o seu
consentimento.
Destarte, há outras formas de exercer o
contraditório.
O executado poderá contestar a dívida e até
mesmo o próprio título executivo que embasa a execução por meio de embargos;
ainda, antes mesmo de embargar, apresentar objeção ou exceção à executividade,
arguir exceção de incompetência, suspeição ou impedimento do juiz; alegar
excesso de penhora ou valor incorreto da avaliação, requerendo a nomeação de
perito judicial para avaliar a coisa; opor embargos de segunda fase; alegar
impenhorabilidade de bem; interpor recursos contra decisões que entender
desprovidas de fundamento e etc. “A existência de incidentes cognitivos no
procedimento de execução associa-se à possibilidade de oferecer defesas no
curso deste”. (DINAMARCO, 2009, v. 3, p. 72).
O jurista Fredie Didier Júnior e
colaboradores (2012, v. 5, p. 54), assinala que o contraditório impõe que o
juiz dialogue com as partes, criando um processo dialético, salientando ainda
que o contraditório é corolário do devido processo legal, se extraindo dele que
as parte tem direito de ouvirem e de serem ouvidas, bem como de produzirem e
manifestarem acerca de provas, ainda, direito de serem informadas sobre os atos
do processo, direito de decisões fundamentadas e direito de impugná-las.
Com estas ponderações feitas, é possível tatear
o procedimento e perceber que as saliências das defesas são manifestações do
contraditório que convalida o processo executivo como atividade jurisdicional.
[1] Isso fica muito claro
na obra de Nelson Nery Jr que leva o título de Princípios do Processo na
Constituição.
[2] Como por exemplo, o
princípio da dignidade da pessoa humana que se apresenta nas demais ciências
humanas, não sendo exclusivo do direito. Ao inverso do que se dá com o
princípio da nula executio sine titulo que
se manifesta apenas no processo executivo.
[3] Com o advento do
Contrato Social elaborado por J. J. Rosseau e seguido pelos burgueses da
Revolução Francesa, a humanização não se restringiu às penas, mas, alcançou o
Direito de um modo geral, desde a cobrança de dívidas até a penalização dos
crimes. No entanto, é sempre importante lembrar que esta humanização se deu
propriamente em virtude de eventos externos ao Direito. Esta humanização é
fruto do nascimento de uma nova sociedade adestrada pela Religião juntamente
com a Escola, o Exército, o Hospital e a Prisão, contribuindo para a formação
de uma classe social operária que serviria à Fábrica. Seria a elaboração de
“novos súditos”, mas não para realeza e sim para a burguesia. Brilhante
trabalho acerca da humanização das penas e o desenvolvimento desta nova
sociedade (a sociedade adestrada e vigilante) se encontra em Michel Foucault, em
sua obra Vigiar e Punir.
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