quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Princípios no Processo de Execução.

Não é tarefa fácil dizer o significado de princípio dentro da ciência jurídica. É complicado até mesmo para a doutrina deitar palavras que trazem segurança a esta conceituação, considerando que há grande controvérsia travada entre doutrinadores de peso.[1]

No entanto, nos importa tecer algumas palavras, dentro dos limites impostos por este trabalho, ou seja, traçar uma linha geral do que são os princípios jurídicos, especificamente aqueles que influenciam diretamente sobre o processo de execução.

É importante termos em vista que todas as ciências são compostas por princípios específicos ao campo de atuação pertinente, não sendo o direito a única ciência portá-los.

Os princípios são conceituações e significados que compõe as bases de uma ciência, de uma teoria. São verdades abstratas que sustentam todo um sistema e autorizam a proliferação do desenvolvimento de uma ideia.



Para melhor ilustrarmos, dando uma definição geral do que vem a ser os princípios jurídicos, recorremos a Celso Antônio Bandeira de Mello que os definiu da seguinte maneira:

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELLO, 1971 apud SILVA, 2008, p. 91).

Os princípios jurídicos estão presentes por todas as partes do ordenamento, uma vez que, são eles os responsáveis pela positivação das normas, assumindo várias funções. Eles estão insculpidos na base das regras legais, sendo muitas vezes os responsáveis pela inspiração do legislador.

Os princípios servem como sustentação das normas e até mesmo para o preenchimento lacunas resultantes da ausência de lei ou de defeitos da norma, agindo como fonte subsidiária. “Nesses termos, os princípios seriam guias utilizados pelo operador jurídico”. (MEDINA, 2004, p. 54).

Podemos assim concluir que os princípios estão disseminados por todo o ordenamento, como se fosse a seiva de uma grande árvore, percorrendo desde a raiz até os seus frutos.

Interessa trazer à luz que os princípios, por serem compostos de carga valorativa (axiológica), muitas vezes eles se atritam, de modo que o intérprete deverá observar qual princípio deverá ser deixado de lado para a aplicação de outro. (MEDINA, 2004, p. 61).

O processo de execução, como qualquer outro ramo do direito, é influenciado pelos princípios. Alguns se apresentam em outras ciências enquanto que outros estão exclusivamente para a execução.[2]

Para melhor compreensão dos limites da tutela jurisdicional executiva e de sua agressividade frente o patrimônio do devedor é que analisaremos alguns princípios.

Não há uniformidade na doutrina na discriminação nem na especificação dos princípios que atuam sobre o processo executivo, de modo que alguns autores abrangem vários princípios enquanto que outros se limitam a apresentar um rol bem reduzido. (DIDIER et al., 2012, v. 5).

Doutro vértice, ficaremos adstritos aos princípios inerentes à tutela executiva, de maneira que não falaremos dos princípios constitucionais ou dos princípios gerais do processo civil. Passamos abaixo à apresentação dos princípios que, frequentemente, são abordados pela atual doutrina nacional.

1 Princípio do título (nulla executio sine titulo)

É no título executivo que se remonta todo o processo executivo. Não é possível efetivar direitos sem antes ter certeza contra quem se voltará a mão do Estado-juiz; o que ou quanto deverá ser exigido do devedor; e, quando a obrigação restará vencida. Estes três fatores devem coexistir no título executivo para que possamos falar em execução, isto é o que bem expõe os arts. 586 e 618, I do CPC.

Porém, antes ainda de se falar em obrigação certa, líquida e exigível é preciso que o legislador tenha dado ao fato jurídico litigioso força executiva. É o que expusemos linhas acima quando cuidamos da abstração do título executivo.

Com isso quer se dizer que é sempre preciso se ter um título com eficácia executiva para se permitir atos de agressão ao patrimônio do devedor, corroborando com o princípio da nulla executio sine titulo, ou seja, nula a execução sem título executivo.

Assim para este princípio é de suma relevância a existência de título que esteja afirmado pela lei, contido no rol dos arts. 475-N e 585. De acordo com estas considerações cria-se uma facilidade no manuseio do processo, ficando às claras as condições para o credor alcançar medidas executivas.

Todavia, com as reformas realizadas no Código de Processo Civil ocorreu um alargamento das possibilidades de se efetivar o direito, sem credor estar de posse de um título executivo pré-estabelecido pelo legislador. É o que se dá com as medidas antecipatórias, preventivas e satisfativas proferidas no início ou no curso do processo, mitigando o princípio da nulla executio sine titulo.

Estas medidas executivas são deferidas pelo juiz quando verificado que o direito em jogo faz jus a efetivação já no início do processo, ou em seu curso. Temos as normas 273, 461 e 461-A, todos do CPC, que possibilitam a realização material da pretensão do titular do direito sem que ele esteja de posse do título executivo.

Estas execuções foram denominadas por José Miguel Garcia Medina como execução sem título permitida, ante a limitada cognição judicial e com mitigada carga declaratória, aliado ao fato de não repousar os efeitos do princípio da abstração e sem lei que atribua força executiva a estas decisões, que no caso são decisões interlocutórias.

Pode-se dizer, com outras palavras, que quando incide o princípio da nulla executio sine titulo impõe-se ao juiz atuar de modo apolítico e neutro, e o sistema vale-se deste mecanismo quando pretende reduzir o poder de atuação executiva do juiz. Nos casos em que incide o princípio da execução sem título permitida, ao contrário, requer-se um juiz ‘politizado’, capaz de fazer as escolhas que o legislador não pode ou não quis realizar.

Ao não atribuir a devida importância ao fenômeno apontado, contribui-se para o obscurecimento dos mencionados institutos jurídicos, tratando como iguais estruturas jurídicas que são bastante diferentes.

Coexistem, assim, no direito processual civil brasileiro, no que respeita à necessidade de título executivo para a realização da tutela jurisdicional executiva, dois princípios: o princípio da nulla executio sine titulo e o princípio da execução sem título permitida. (MEDINA, 2004, p. 141).

No entanto, o tema é controvertido, vez que, diversamente entende Araken de Assis.
O princípio da nulla executio sine titulo “não é eliminado na emissão de provimento antecipatório: as decisões respectivas, fundadas nos arts. 273, 461 e 461-A, antecipam o título, como acontece por força de outros dispositivos esparsos (v.g., art. 701, §2º, in fine: ‘[...] valendo a decisão como título executivo’). Tudo dependerá da natureza do provimento ou da força da ação (retro, 3), e não do grau de cognição desenvolvida pelo órgão judiciário. (ASSIS, , 2012, p. 111).

O professor Cássio Scarpinella Bueno (2012) salienta que o Código de Processo Civil acolhe o princípio da nulla executio sine titulo, afirmação esta saliente nos arts. 475-N e 585. No entanto, para ele, o princípio deve ser lido de maneira mais ampla, pois, com as várias reformas que o Código sofreu abriu-se a possibilidades de se encontrar títulos executivos não somente no rol dos artigos supramencionados, mas no sistema processual civil. Alerta ele que o que modificou foi a conceituação de título executivo, não corroborando com o teoria de que título é antecipado pelo juiz ou, ainda, que existe uma execução sem título. Ora, é pertinente trazermos à baila as suas palavras:

O que é desejável, contudo, é que, por força das considerações expostas, com a invocação das vênias de estilo, entenda-se que as ‘Reformas do CPC’ alteraram profundamente a compreensão dos títulos executivos e não a compreensão, esta ainda vigente e atualíssima, de que o Estado-juiz, para praticar atos executivos voltados à prestação da tutela jurisdicional executiva depende de um título que legitime o seu agir, título que preexista, mesmo que perfunctoriamente, à sua atividade. Há, portanto, execuções fundadas em títulos executivos que vão além da compreensão tradicional das listas que hoje ocupam os arts. 475-N e 585, mas que, mesmo assim, ainda atestam suficientemente o que importa mais de perto para o princípio aqui exposto, o que seja, que a atividade jurisdicional executiva pressupõe sempre e em qualquer caso o prévio - e suficiente - reconhecimento do direito. Se o sistema processual admite, em ritmo crescente, a possibilidade de este reconhecimento do direito dar-se por outras formas que não as constantes daqueles dispositivos, o princípio deve ser repensado para albergar também aquelas hipóteses. (BUENO, 2012, p. 56).

A discussão é acirrada, porquanto, trazem conceitos e fundamentos muito coerentes, não sendo da alçada deste estudo julgar qualquer que seja. O que importa é enriquecer o trabalho com estas considerações e demonstrar que aquele que autoriza as medidas executivas ou que eleva fato jurídico a título executivo deve estar muito acertado e cientificado, previamente, não só do direito posto em juízo como, principalmente, dos efeitos provenientes dos atos decorrentes do processo às partes envolvidas e até a um terceiro de boa-fé.

Portanto, de acordo com princípio aqui abordado, aquele que intenta pleitear a efetivação de seu direito deverá estar munido de título executivo extrajudicial contido no art. 585 (ou em legislações esparsas) ou de título executivo judicial, devendo compreender neste ponto não apenas os inseridos no art. 475-N, mas, também as decisões judiciais com força executiva.


2 Princípio da efetividade

Com as reformas legislativas já analisadas no primeiro capítulo deste trabalho, percebemos que o legislador tem focado suas forças sobre o processo executivo, tentando torná-lo mais célere, justo e efetivo.

O princípio da efetividade está diretamente ligado ao princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional cravada no art. 5º, XXXV da CF. Por este princípio devemos entender que não se trata de simplesmente ter acesso ao Judiciário, mas sim, ter direito de exigir o acesso a uma tutela que materialize o direito reclamado de maneira rápida e justa.

É preciso que o exequente satisfaça seu crédito, e, para isso o Estado deve estar municiado de possibilidades que aproximem ao máximo a tutela jurisdicional da obrigação que deveria ter sido cumprida voluntariamente. Esta leitura deve ser realizada sem perder de vista que o mecanismo a ser adotado respeite também a pessoa do executado.

Assim não há como falar em efetividade se o processo é constituído de atos arbitrais e parciais, ou ainda, se se trata de um meio moroso, sem ritualidade coordenada.

O princípio da efetividade só será exercido se o Estado-juiz, constantemente, aferir os valores jurídicos que estão colocados em jogo frente os valores obrigacionais que se está procurando fazer cumprir por meio do processo executivo.

3 Princípio da tipicidade e da atipicidade

Este princípio determina que as medidas executivas a serem utilizadas devam estar previamente estabelecidas pela norma jurídica. Por meio dele é possível ao devedor eleger qual será a melhor maneira de defesa, haja vista que, previamente, ele estará cientificado da forma que seu patrimônio será constringido; ao credor caberá socorrer-se aos numerus clausus que expõem os meios de constrição possíveis. Atualmente o princípio da tipicidade rege a execução por quantia certa, estabelecendo quais são as modalidades de expropriação dos bens do devedor. (MEDINA, 2008, p. 49).

Já em contrapartida, tem-se o princípio da atipicidade das medidas executivas, que estão latentes nas execuções de obrigações de fazer ou não fazer, de entrega de coisa certa e nas antecipações de tutela (arts. 461, 461-A e 273 do CPC). Este princípio determina que para a execução de medidas executivas não é preciso à exposição de um rol exaustivo na lei.

O Estado-juiz deve verificar qual a forma mais adequada para a execução de medidas coercitivas e efetivar o direito, não importando a inexistência de artigo específico que delimite o meio elegido. Basta aferir qual o grau de previsibilidade de provimento e de certeza do direito em jogo para que se determine a prática da medida executiva apropriada ao caso. Note-se a redação do art. 461, § 5º:

Art. 461, § 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

Demonstra-se por este artigo que não há um rol taxativo de medidas, mas sim, um rol exemplificativo, de maneira que o juiz poderá lançar mão de medida que sequer está ali inserida, porém, que ao seu ver seria mais pertinente ao caso concreto.

A atipicidade dos meios executivos tem cabimento, portanto, nos casos em que a lei não fez escolhas expressas quanto aos mecanismos de efetivação das decisões judiciais ou quando as escolhas existentes se mostrem, em cada caso concreto, insuficientes porque desconformes ao ‘modelo constitucional do processo civil. (BUENO, 2012, p. 61).

E nisto evidencia o princípio da atipicidade que a cada reforma vem tomando mais espaço dentro do ordenamento processual civil.

4 Princípio da responsabilidade patrimonial e princípio do resultado

Consoante a leitura do art. 591 do CPC, verifica-se que a execução recairá sobre os bens presentes e futuros do devedor. Por esta via, a expropriação seria o meio executivo por excelência, cumprindo a lei e garantindo vida a este princípio.

A responsabilidade patrimonial é fruto da humanização das penas e a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana,[3] pois, se na Roma Antiga era possível desde a venda do devedor até sua morte, hoje a penalização não pode recair senão sobre os seus bens.

É o que percebemos com a extinção da prisão do depositário infiel, que está solidificado na Súmula Vinculante nº 27 da Excelsa Corte e no Enunciado de Súmula nº 419 do Superior Tribunal de Justiça. Esta impossibilidade de reduzir o devedor a condições sub-humanas fez com que o legislador revestisse alguns de seus bens de impenhorabilidade, como expressa o rol do art. 649 do CPC, garantindo a sobrevivência ao devedor. (DIDIER et al., 2012,   v. 5, p. 52).

No entanto, como expusemos linhas acima, algumas vezes os princípios se conflitam e devem dar lugar a outro para que o equilíbrio se estabeleça na relação processual.

É o que ocorre na execução indireta, ou seja, a responsabilidade não recai sobre o patrimônio do devedor, pois, o Estado, para forçar o cumprimento da obrigação, impõe medidas que influem o psicológico do executado para que ele conclua que o melhor é realizar a prestação devida.

A pressão do Estado não se dará sobre o patrimônio, porque, nestes casos, é o credor que define a maneira que a obrigação será cumprida, é ele que escolhe a definição do resultado da lide: se por meio coercitivo ou se a obrigação se converterá em perdas e danos.

Dispõe o ordenamento desta forma porque o credor tem o direito à tutela específica ou o equivalente ao que se esperava que o devedor cumprisse espontaneamente; o resultado é direito assegurado pelo título ao exequente.

Em tal condição de inutilidade do patrimônio do devedor, vemos o princípio da responsabilidade patrimonial ceder espeço ao princípio da primazia da tutela específica (ou princípio da maior coincidência possível, ou princípio do resultado).

Em ambas as situações deveremos sempre ter em vista outros princípios como da dignidade da pessoa humana, da menor onerosidade e máxima efetividade, da boa-fé processual, e outros mais.

5 Princípio da disponibilidade

Diversamente do que ocorre com o processo cognitivo, o exequente pode a qualquer momento desistir da execução ou de alguns atos executivos sem o consentimento do executado.

No processo executivo não existe a bipolaridade que compõe o processo de conhecimento. Aqui o executado não tem possibilidades de reverter o quadro apresentado pelo exequente, em razão de que o título executivo é causa suficiente para assegurar o impulso do processo, não interessando o direito material a ele subjacente.

Em virtude deste princípio o exequente pode desistir a da execução interposta contra um ou, contra todos ou contra qualquer um dos executados, observando sempre a regra do art. 569 do CPC.

A disponibilidade da execução significa garantia à imparcialidade da jurisdição, pois, não cabe ao Judiciário dar impulso processual de oficio para a cobrança do crédito, ainda mais nos casos em o próprio credor desiste da marcha executiva. (BUENO, 2012, p. 58).

A ressalva que se faz é com relação ao consentimento do executado. Se houver apenas defesa processual, então o juiz extinguirá o feito sem ouvir o devedor; todavia, se há oposição do devedor - por meio de impugnação, embargos, exceção de pre-executividade ou ação de impugnação autônoma - relativo ao mérito da matéria, então o juiz deverá ouvir o devedor, cumprindo o art. 569 do CPC. (ASSIS, 2012, p. 119).

6 Princípio da adequação

O sistema processual vigente impõe que os meio executivos devem ser efetivados de acordo com a obrigação exigida. Deve existir uma harmonia entre a prestação exigida pelo credor e a maneira que será imposta ao devedor para o cumprimento.

Ainda que a obrigação seja realizada contra a vontade do devedor, sempre há que se observar a idoneidade do meio a ser empregado, sob pena de se provocar arbitrariedades violando o princípio da legalidade.

Este é um dos princípios que garantem ao devedor que a execução não é uma conspiração armada contra ele, servindo como base jurídica para o executado manifestar-se acerca de eventuais abusos ou práticas descomedidas contra ele ou terceiros.

O princípio d adequação é apalpável quando, por exemplo, é imposto pela lei que a adjudicação deve ser realizada pelo preço da avaliação (art. 685-A do CPC), ou quando se permite a substituição de bem penhorado (art. 656, do CPC), tudo visando adequar o bem jurídico perseguido ao meio executivo utilizado.

7 Princípio da máxima efetividade e da menor onerosidade possível

Este princípio foi insculpido pelo legislador no artigo 620 do CPC, como uma maneira de frear a agressividade executiva sobre o patrimônio do devedor.

Ela é fruto da humanização da execução, buscando não deixar o executado reduzido à situação de penúria. É um princípio que deita origens no princípio da dignidade da pessoa humana, também inspiradora do artigo que trata das impenhorabilidades. Tomamos como exemplo a arguição de excesso de execução (art. 745, III do CPC), a inadmissibilidade de lenço vil na segunda praça ou leilão (art. 692 do CPC) e etc.

Entretanto, este princípio não pode servir de abrigo para os maus pagadores, de modo que ao aplicá-lo o juiz sempre deverá observar qual será o ponto de equilíbrio da relação, vez que, “é na execução que as expectativas das partes se encontram em maior crise, e o juiz não pode ficar alheio a esta tensão.” (MEDINA, 2008, p. 53).

O professor Candido Dinamarco (2009, p. 63), salienta que é preciso estar atento para diferenciar o devedor de boa-fé daqueles que não guardam qualquer preocupação com sua credibilidade, e, é taxativo ao dizer que “quando não houver meios mais amenos para o executado, capazes de conduzir à satisfação do credor, que se apliquem os mais severos”.

O que se quer na verdade é que se aplique este princípio sem que a execução seja fadada ao fracasso, ou seja, sem desprezar o princípio da efetividade, também presente na execução. Somente com respeito a estes dois princípios é que teremos uma execução equilibrada. (BUENO, 2012, p. 63).

8 Princípio da boa-fé processual

Esta é uma cláusula geral que está espalhada pelo ordenamento jurídico atual. Hodiernamente é inaceitável que as partes e o próprio Estado-juiz pratiquem atos não condizentes com a boa-fé e, em matéria de execução deve-se ter cuidado redobrado, uma vez que “a execução é solo fértil para a prática de comportamentos contrários ao princípio da boa-fé.” (DIDIER et al., 2012, v. 5, p. 301).

Ela espelha o dever segundo o qual as partes devem agir sem abusos, não colocando tropeços no curso da marcha executiva. Também nos remonta ao entendimento de que não podem as partes agir com má-fé.

A boa-fé é o antagonismo da má-fé, do abuso de direito e da deslealdade. Buscamos na doutrina material o conceito deste princípio perfeitamente cabível na esfera instrumental:

Boa-fé objetiva significa uma atuação refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abusos, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações. (MARQUES, 2012, p. 284).

Desta monta, vislumbra-se que a boa-fé processual deve ter o mesmo significado, ou seja, não pode o executado obstruir a execução, ocultar bens passíveis de penhora, fraudar a execução, tumultuar a marcha executiva. Da mesma forma na cabe ao exequente se valer da execução para deitar abusos sobre o devedor, averbando todos os bens do devedor quando apenas um bastaria para a satisfação de seu direito, ou acrescendo juros indevidos ao valor principal, forçar que a penhora recaia sobre bem com valor sentimental e que não alcança nem o valor das custas, etc.

Ora, por este princípio o interesse de ambos, exequente e executado, devem seguir entrelaçados, não podendo o devedor omitir o cumprimento/pagamento da prestação devida nem o credor valer-se de medidas desproporcionais para a cobrança, manipulando a execução de maneira abusiva.

9 Princípio da proporcionalidade

Sabemos que a execução é composta de fases e que dentro de cada uma delas é preciso que o juiz visualize os fatos e escolha qual a forma mais adequada para que sua decisão convalesça perante as partes.

São nestes momentos em que deve ocorrer um juízo de valor entre a medida optada, o bem jurídico tutelado e o objeto a ser constringido. Este movimento que o julgador faz deve ser ajustado pela proporcionalidade.

A sanção executiva deve estar regida pela harmonia entre os valores que estão em jogo e a maneira como eles serão perseguidos para satisfação do credor. E assim falamos porque no processo executivo não há um contraditório aberto, amplo, em que as partes dialogam com certa frequência, em que o direito é controvertido; ora, estas são características do processo cognitivo que tem como escopo a declaração de um direito.

A tutela executiva, ao contrário, busca a realização do direito e para isso vai ao encontro do devedor por meio de imposição de medidas diretas ou indiretas de execução; assim, não poderia ser outro o resultado senão o conflito entre vários princípios, como exemplo ocorre com a efetividade que se choca com o princípio da mínima constrição possível, ou ainda, a o princípio da tipicidade se atrita com princípio da atipicidade.

Para manter a balança equilibrada é preciso que o princípio da proporcionalidade esteja à frente de cada decisão tomada pelo Estado-juiz, sob pena de autorizar medidas executivas carregadas de parcialidade, abusividade, repudiadas pelo ordenamento constitucional, nulas em uma linguagem mais técnica.

Medidas executivas como a quebra do sigilo bancário da pessoa em favor do bem, a determinação da prisão o devedor de alimentos, o requerimento do executado para substituição de bem penhorado e outras mais, são exemplos de atos executivos que devem ser regidos pela proporcionalidade dos bens jurídicos tutelados e dos direitos subjetivos colocados em jogos.

10 Princípio do contraditório

Usualmente, se diz que na execução o contraditório é mitigado, ou que, quase não há contraditório. Porém, na prática não é isso que ocorre. Ao visualizarmos os elementos autorizadores da execução (título executivo e inadimplemento) parece-nos, teoricamente, que o juiz não desenvolverá nenhuma atividade cognitiva face a rigidez e autenticidade dos fatos jurídicos que embasam a execução.

No entanto, o contraditório é princípio fundamental do Estado de Direito, garantia constitucional prevista no art. 5º, LV da Carta Magna, de maneira que todo processo, administrativo ou judicial, deve cumpri-lo, vez que, em não o observando tornará todo o processo imprestável.

Lógico que no processo de execução o contraditório não é amplo como no processo cognitivo, sendo “eventual na parte concernente à defesa do executado”. (DDIER et al., 2012, v. 5, p. 55) Até porque, neste o requerido é chamado para defender-se enquanto que naquele o executado é convidado para pagar ou cumprir a obrigação, pouco importando o seu consentimento.

Destarte, há outras formas de exercer o contraditório.
O executado poderá contestar a dívida e até mesmo o próprio título executivo que embasa a execução por meio de embargos; ainda, antes mesmo de embargar, apresentar objeção ou exceção à executividade, arguir exceção de incompetência, suspeição ou impedimento do juiz; alegar excesso de penhora ou valor incorreto da avaliação, requerendo a nomeação de perito judicial para avaliar a coisa; opor embargos de segunda fase; alegar impenhorabilidade de bem; interpor recursos contra decisões que entender desprovidas de fundamento e etc. “A existência de incidentes cognitivos no procedimento de execução associa-se à possibilidade de oferecer defesas no curso deste”. (DINAMARCO, 2009, v. 3, p. 72).

O jurista Fredie Didier Júnior e colaboradores (2012, v. 5, p. 54), assinala que o contraditório impõe que o juiz dialogue com as partes, criando um processo dialético, salientando ainda que o contraditório é corolário do devido processo legal, se extraindo dele que as parte tem direito de ouvirem e de serem ouvidas, bem como de produzirem e manifestarem acerca de provas, ainda, direito de serem informadas sobre os atos do processo, direito de decisões fundamentadas e direito de impugná-las.

Com estas ponderações feitas, é possível tatear o procedimento e perceber que as saliências das defesas são manifestações do contraditório que convalida o processo executivo como atividade jurisdicional.




[1] Isso fica muito claro na obra de Nelson Nery Jr que leva o título de Princípios do Processo na Constituição.
[2] Como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana que se apresenta nas demais ciências humanas, não sendo exclusivo do direito. Ao inverso do que se dá com o princípio da nula executio sine titulo que se manifesta apenas no processo executivo.
[3] Com o advento do Contrato Social elaborado por J. J. Rosseau e seguido pelos burgueses da Revolução Francesa, a humanização não se restringiu às penas, mas, alcançou o Direito de um modo geral, desde a cobrança de dívidas até a penalização dos crimes. No entanto, é sempre importante lembrar que esta humanização se deu propriamente em virtude de eventos externos ao Direito. Esta humanização é fruto do nascimento de uma nova sociedade adestrada pela Religião juntamente com a Escola, o Exército, o Hospital e a Prisão, contribuindo para a formação de uma classe social operária que serviria à Fábrica. Seria a elaboração de “novos súditos”, mas não para realeza e sim para a burguesia. Brilhante trabalho acerca da humanização das penas e o desenvolvimento desta nova sociedade (a sociedade adestrada e vigilante) se encontra em Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir.

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