Ultimamente boa parte da doutrina tem se debruçado sobre o processo cognitivo deixando de analisar as minúcias da execução, lançando superficiais linhas sobre este processo que é vital ao exercício da jurisdição. É preciso tecer algumas ponderações sobre o conceito da execução, para ao fim destacar sua autonomia.
O processo de execução não significa o mesmo que execução forçada: esta é o poder que o Estado possui para fazer cumprir a norma contida em uma decisão judicial ou na lei. Ela é mais bem visualizada quando o devedor não cumpre com a obrigação, ocasionando, a pedido do credor, a intervenção do órgão judicial que o compelirá a pagar o débito com medidas sobre o patrimônio ou sobre o psíquico do executado, não importando seu consentimento.
Por processo de execução devemos entender
que ele constitui o meio utilizado para que aquele poder prevaleça. Assim,
conceitua-se execução “como o conjunto de atos jurisdicionais materiais
concretos de invasão do patrimônio do devedor para satisfazer a obrigação
consagrada num título”. (GRECO FILHO, 2012, v. 3, p. 37). Já “o processo de
execução apresenta-se como o conjunto de atos coordenados em juízo tendentes a
atingir o fim da execução forçada.” (THEODORO JUNIOR, 2008, p. 126).
É o processo que garantirá a execução
forçada, que por sua vez, garante ao credor a perseguição do cumprimento da
obrigação inadimplida, de modo que é impossível execução judicial sem o
processo próprio. A execução é o conteúdo do processo.
Em vista do caráter satisfativo da tutela
executiva, é possível perceber, sem muito esforço, que este processo difere (e
muito!) do processo cognitivo. Como bem observado por Sérgio Shimura:
[...] o processo de cognição busca a solução,
ao passo que o de execução vai rumo à realização das pretensões.
As características, as finalidades, as
condições da ação são bem diversas entre o processo de conhecimento e o de
execução. (2005, p. 30).
Analisando a citação acima transcrita,
tem-se a compreensão de que as características do processo executivo são
diferentes de qualquer outro. A começar pelo ato citatório que não chama o
executado a se defender ou responder o processo, mas sim, para pagar em três
dias o débito - execução de título executivo extrajudicial por quantia certa –
ou em quinze dias o quantum estabelecido
na sentença condenatória.
As condições também são bem distantes das
dos demais processos, visto que não é preciso fumus boni iuris, nem pericullum
in mora, muito menos a narrativa dos fatos e dos fundamentos que
justifiquem o pedido. Havendo título executivo, inadimplemento e, sendo o
exequente a parte legítima para acionar o órgão judicial, autoriza o credor
exigir do juiz o despacho que determina o pagamento.
Por fim, a finalidade do processo de
execução nos permite perceber (sem muito esforço) que as atividades desempenhadas
pelo órgão judicial são determinantes para destacar a sua autonomia. É que
neste processo a tutela concedida é completamente satisfativa, seu fim é
expropriar o patrimônio do devedor, forçando a qualquer custo o cumprimento da
obrigação consubstanciada no título, respeitando os limites sócio-políticos
estabelecidos pela lei.
Com estas considerações fica saliente que no
plano do processo civil a atividade executiva é desenhada no mundo dos fatos e
não dos autos.
A autonomia é visível entre os processos quando
vemos que é possível existir cognição sem execução, como nos casos onde o autor
busca uma sentença meramente declaratória ou constitutiva de seu direito.
Também é possível haver execução sem
cognição, como no processo de execução de título extrajudicial em que não é
desenvolvida nenhuma investigação sobre o direito posto em juízo pelo
exequente.
Em terceiro lugar, “os processos de cognição
e execução podem correr ao mesmo tempo, paralelamente, como se passa na
hipótese de execução provisória (arts. 273 e 587, CPC).” (SHIMURA, 2005, p.
31).
Nem mesmo o advento da lei n. 11.232/2005,
que aboliu a actio judicati para o cumprimento
de sentença e instituiu executio per
officium influenciou na autonomia do processo executivo.
A lei é livre de esbater ou apagar as
fronteiras entre as referidas séries de atos, dispensar a propositura formal de
‘ação nova’ a quem queira fazer realizar a segunda série, outorgar ao mesmo
órgão judicial o poder de passar motu
proprio de uma série à subsequente, intercalar atos típicos de uma a atos
típicos de outra, antecipar à formulação da norma concreta providências
tendentes à modificação do estado de fato (em princípio, na pressuposição de
que a norma concreta será provavelmente formulada em tais ou quais termos),
combinar, misturar, aglutinar, inventar mil esquemas variáveis de ‘arrumação’,
sem que disso resulte consequência alguma no plano da natureza dos autos: o que era cognição continuará sendo cognição, o
que era execução não deixará de ser execução. (MOREIRA, 2011, p. 371).
Por isso entendemos não ser correto
adjetivar o cumprimento de sentença como “mera”
fase do procedimento cognitivo, porque na verdade, após a sentença, o que se
faz é instaurar um verdadeiro processo executivo, composto de autonomia, onde
se tem o título executivo gerado pelo pronunciamento judicial, carregado de
inadimplemento, dotado de agressividade suficiente para forçar o devedor a
cumprir a obrigação, podendo até recorrer às normas de execução, como dispõe o
art. 475-R do CPC.
Entender o cumprimento de sentença como mera
fase do processo força-nos a concluir que o processo de conhecimento é um mero
processo composto de meras fases, qual o que: mera fase postulatória, mera fase
ordinatória, mera fase instrutória, mera fase decisória e mera fase satisfativa
(ou executória).
Ora, pedimos vênia para discordar com as
vozes doutrinárias que classificam assim o instituto do cumprimento de
sentença, vez que, não se trata de mera fase, mas sim, de pura execução
forçada. Reduzir a “mera” fase o cumprimento de sentença significa ignorar a
autonomia da execução e banalizar o sistema processual.
A lei n. 11.232/2005 não veio reduzir o
processo de execução a mera fase do processo de conhecimento, ela apenas eliminou
a citação, ficando intactos todos os atos do rito executivo que serão
realizados no agora chamado “cumprimento de sentença”.
Não obstante a alteração venha ao encontro das
ponderações desenvolvidas no início deste tópico, é preciso cuidado com essas
afirmações teóricas, boa parte destituída de significado prático e concreto.
Mister entender, até para não criar falsas expectativas, que a alteração do
sistema tradicional representa, na realidade, apenas eliminação da citação, ato
necessário para validade do atual processo de execução. Quanto à efetivação da
tutela jurisdicional, seja ela denominada condenatória ou executiva, serão
necessários os mesmos atos materiais, destinados a eliminar a resistência do
devedor. É claro que a desnecessidade de nova citação constitui providencia salutar.
Mas daí a afirmar que a tutela passa a ter muito maior de efetividade é ignorar
a realidade. (BEDAQUE , 2011, p. 148).
O não cumprimento do exposto na sentença
impõe atos de soberania que se realizam por meio do cumprimento de sentença (na
realidade deve ser visto como execução forçada em sua essência).
Não se trata de mera fase do procedimento,
vez que, o sincretismo merece ser visto como a entrega do resultado do trabalho
cognitivo ao processo executivo, dentro da mesma lide, e, deste para o exequente.
Seria uma espécie de transição de
atividades, uma mudança de veículo, mas não de rota. Passar-se-á, após a
sentença, do lento, investigador e minucioso processo de conhecimento para a
satisfação do direito, através de medidas e atos coordenados dentro de um
processo autônomo em desfavor do devedor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário