segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Pressupostos da Execução Forçada: O Inadimplmento e o Título Executivo

Dentre as relações criadas pelas pessoas, diversas são as que assumem aspecto e forma a ser conhecido pelo Judiciário. Nem todas podem ou necessitam da chancela do poder estatal para sua validade. Por exemplo, o casal que cria laços de afeto e passado breve lapso temporal rompem a relação casual, não terão necessidade de tornar público a separação.

No entanto, se desta relação ocorreu o nascimento de uma criança, então a situação deverá ser olhada de outro prisma. Nesta segunda circunstância o Estado repousará seus olhos para proteger os interesses da criança, pois, lhe é inerente alguns direitos e obrigações sendo intolerável qualquer violação.

O mesmo ocorre quando alguém assume a obrigação, por meio de um contrato, de entregar uma obra em determinado prazo, ou de não realizar praticar determinado ato, ou ainda, de resgatar uma nota promissória em dia previsto, sendo em todos os casos descumprido o pactuado.


Estas situações geram efeitos com consequências previstas no ordenamento jurídico, possibilitando ao titular do direito subjetivo violado exigir em juízo o cumprimento da obrigação.

Ora, a criança recém-nascida tem direito a reclamar os alimentos e cuidados de seus ascendentes; bem como aquele que não fez o que deveria ter sido feito, ou, executou algo que estava proibido, deverá arcar com o custo de sua negligência; da mesma forma também deverá ser restituído ao credor a quantia subtraída por aquele que não pagou quantia pecuniária em data preestabelecida na nota promissória.

Várias modalidades de relações estão espalhadas pelo corpo da sociedade e a cada dia se multiplicam. Entretanto, algumas delas são regidas pela legislação ou seus efeitos tem previsão legal, então teremos uma relação jurídica que gera fatos jurídicos.

A expressão fatos jurídicos, em seu sentido amplo, engloba todos aqueles eventos, provindos da vontade humana ou decorrentes de fatos naturais, capazes de ter influência na órbita do direito, por criarem, ou transferirem, ou conservarem, ou modificarem, ou extinguirem relações jurídicas. (RODRIGUES, 2002, v. 1, p. 155).

Os fatos jurídicos são os que interessam ao processo porque são eles que acarretam os conflitos de interesses merecedores de solução.

Dizemos que são os fatos jurídicos que nos interessam, e não os atos jurídicos, por simpatizarmos à teoria de Enrico Tulio Liebman, conforme exposto por Medina (2004).

Estes conflitos de interesses decorrentes do não cumprimento da obrigação é dão vida ao inadimplemento. É ele um dos elementos necessários para a instauração do processo de execução. Sem inadimplemento não se pode falar em execução.

O Código de Processo Civil é expresso ao incluir o inadimplemento entre os requisitos indispensáveis para realizar qualquer execução (arts. 580 ss.) precisamente porque, sem o estado de insatisfação representado por uma crise dessa ordem, não haveria razão para executar; faltaria, em uma linguagem mais técnica, a necessidade da tutela jurisdicional e, consequentemente, o interesse de agir (interesse-necessidade - supra, n. 544, e infra, n. 1425). Obviamente, não se pode cogitar de adimplemento se o crédito não for exigível, ou enquanto não o for (infra, n. 1425).

‘Considera-se inadimplente o devedor que não satisfaz espontaneamente o direito reconhecido por sentença ou a obrigação a que a lei atribuir a eficácia de título executivo’ (CPC, art. 580, par.). Mas essa ideia acomoda-se melhor no conceito de mora que no de inadimplemento, definida aquela como a situação do devedor que não efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma convencionados (CC, art. 394); não foi nem podia ter sido intenção do legislador exigir que, para a execução, exista uma situação de inadimplemento absoluto, que se caracteriza pela impossibilidade total e definitiva de chegar à satisfação do direito (CC, art. 395, par.). A exigência de inadimplemento, ou mora, associa-se ao requisito da exigibilidade do crédito, sem a qual não se executa (CPC, arts. 586, 741, inc. II, etc. – infra, nn. 1.421-1.422). Se o devedor oferecer coisa diferente da devida, a recusa pelo credor será legítima (CC, art. 313) e ele terá interesse processual à execução (CPC, art. 581); se oferecer quantidade ou valor abaixo do devido, o interesses reduzir-se-á à diferença, salvo se o devedor lhe houver exigido quitação integral, caso em que a execução se fará pelo todo (CC, art. 319). (DINAMARCO, 2009, p. 57).

Diríamos ainda que o inadimplemento pode se dar quando o devedor age diversamente da maneira prometida, fazendo com que a surpresa do não cumprimento traga consequências indesejadas. Portanto, não adimplida a obrigação, logicamente, estará consumado o inadimplemento, restando ao credor a possibilidade de reclamar ao Estado a violação de seu direito.

Porém, aliado ao inadimplemento, é necessário que o credor esteja munido do título executivo, porque sem ele é impossível pensar-se em execução. Não é, somente, o descumprimento da obrigação que permitirá a instauração de um processo executivo e a prática de atos expropriatórios do patrimônio alheio.

Para que isso ocorra o legislador impôs certas condições, vez que, a execução é a forma jurídica de satisfazer o direito por meio de atos de agressão patrimonial ou psíquica, de maneira rápida e objetiva.

O próprio despacho inicial do processo de execução é diferente dos demais existentes, bastando analisar que o devedor é convidado a pagar sua dívida em três dias, não importando a relação de direito material subjacente no título. Ainda, mesmo que apresentada defesa em face da execução, ela não será abalada já que, a atribuição de suspensividade aos embargos dependerá de garantias e de argumentos relevantes capazes de demonstrar que a marcha executiva poderá trazer danos ao devedor. Ora, o efeito suspensivo dos embargos é medida difícil de ser alcançada, vez que, é preciso a configuração de todos os requisitos expostos acima, elencados no art. 739-A, §1º do Código de Processo Civil.

É em razão desta possibilidade de rápida invasão aos bens do devedor que se faz necessário a apresentação, ao juiz, de provas da consolidação do inadimplemento juntamente com o título executivo correspondente. Este último é imprescindível à execução forçada, pois, é por meio dele que se saberá qual tipo de tutela será adequada para a solução do litígio.

Há que lembrar que o título não se confunde com o documento que representa. Primeiramente, o título é fruto da relação jurídica existente entre as partes e que foi destacada pelo legislador para possuir força executiva.

Esta relação tem em sua essência a autonomia e manifestação da vontade das partes, com reflexos estabelecidos em termos legais. Somente com a formação do negócio dentro da legalidade que poderá se falar em formação de título executivo.

Já o documento é fonte de prova da existência do título, ou seja, do fato dotado de força executiva. Assim, o cheque não é título executivo, mas sim a promessa do pagamento contido no documento. Portanto, a carga probatória contida no documento faz crer na existência de uma relação jurídica da qual o emitente comprometeu-se em pagar determinada quantia. O documento é o meio de prova para confirmação da obrigação, enquanto que, a executividade está no fato de eventual descumprimento. Em outras palavras pode se dizer que o documento representa a dívida, sendo esta última o fato jurídico que poderá ser dotado de força executiva.[1]

Por título executivo deve-se entender que é todo fato que o legislador emprestou executividade. Sabemos que todo fato que é jurídico pode ser objeto de súplica perante o Estado-juiz. No entanto, nem todos os fatos possuem eficácia executiva.

É o legislador quem opta qual será o fato que poderá ser pleiteado em juízo com força executiva. Exemplo desta força executiva são as obrigações representadas pelo cheque, nota promissória, sentença condenatória ou homologatória e etc.

A norma jurídica estabelece o que é título executivo, conferindo ao seu detentor o privilégio de saltar sobre a cognição e iniciar a realização prática de seu direito já no despacho inicial do juiz.

Não foi entregue à vontade das partes ou a do juízo a criação de títulos executivos, esta é missão exclusiva da norma legal. É ela quem elenca qual fato será dotado de executividade. Cabe ao legislador observar no corpo de sua sociedade os fatos que se repetem com frequência e que, além disso, sejam idôneos, e que esteja carregado de previsibilidade de certeza de existência do direito. Trocando em miúdos, a força executiva será estabelecida pelo legislador, quando o fato for capaz de em si conter forte indício de verdade e de existência de direito em favor do detentor do título. Estes são fundamentos para a escolha de um título executivo.

Por isso não pode ser título executivo fatos não idôneos onde paira sobre eles dúvidas acerca do grau de probabilidade de certeza. A falta destes elementos perverterá a ordem social e abrirá as portas para a prática de atos arbitrais que não se identificam com o valor justiça e segurança jurídica.

Desta forma, após a detida observação de que determinado fato gera consequência jurídicas, sendo este certo, idôneo e repetitivo, então certamente será ele escolhido pelo legislador para ser investido de executividade.

Estando o fato acobertado pela executividade, então passará ele a levar a chancela de título executivo. É nesta transição de fato jurídico para título executivo que reside o princípio da abstração. Ensina o jurista Medina:

[...] o direito processual civil deve se adequar à realização de determinados fins. Considerando que a finalidade da execução forçada é a obtenção do bem devido, a norma jurídica confere a determinado suporte fático a eficácia de possibilitar, por si só, a realização daquele objetivo, prescindindo-se da verificação da existência do próprio direito. Nisto consiste a chamada eficácia abstrata (ou abstração) dos títulos executivos. (MEDINA, 2004, p. 146).

Esta abstração que impõe a impossibilidade de se discutir, dentro do processo de execução, a origem da obrigação. É que a idoneidade e a probabilidade de certeza do direito subjetivo ameaçado ou violado já foi objeto de análise detida pelo legislador antes que ele viesse a se tornar título executivo. Sendo assim, é inadequada e inadmissível a abertura de qualquer debate acerca do direito material subjacente no título.

Portanto, fica justificado o porquê da exigência concomitante do inadimplemento e do título executivo para a propositura de qualquer execução forçada. Até mesmo a execução decorrente de título executivo judicial, pois, o legislador foi quem conferiu poder ao juiz para sua criação.

Evidente fica que a executividade de fatos idôneos, carregados de previsibilidade de certeza do direito, sempre dependerá de norma legal que o determine como título apto a embasar o processo de execução.




[1] O documento pode ser comparado com a ponta de um iceberg, aquilo que se vê na superfície. Enquanto que a executividade estaria na base deste bloco, seria a parte submersa que sustenta toda a estrutura saliente nas águas. No nosso caso, juridicamente, o documento não goza de eficácia executiva, mas sim, o fato jurídico elevado pelo legislador a título executivo. 

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