Dentre as relações criadas pelas pessoas,
diversas são as que assumem aspecto e forma a ser conhecido pelo Judiciário.
Nem todas podem ou necessitam da chancela do poder estatal para sua validade. Por
exemplo, o casal que cria laços de afeto e passado breve lapso temporal rompem
a relação casual, não terão necessidade de tornar público a separação.
No entanto, se desta relação ocorreu o
nascimento de uma criança, então a situação deverá ser olhada de outro prisma.
Nesta segunda circunstância o Estado repousará seus olhos para proteger os
interesses da criança, pois, lhe é inerente alguns direitos e obrigações sendo intolerável
qualquer violação.
O mesmo ocorre quando alguém assume a
obrigação, por meio de um contrato, de entregar uma obra em determinado prazo,
ou de não realizar praticar determinado ato, ou ainda, de resgatar uma nota
promissória em dia previsto, sendo em todos os casos descumprido o pactuado.
Estas situações geram efeitos com
consequências previstas no ordenamento jurídico, possibilitando ao titular do
direito subjetivo violado exigir em juízo o cumprimento da obrigação.
Ora, a criança recém-nascida tem direito a
reclamar os alimentos e cuidados de seus ascendentes; bem como aquele que não
fez o que deveria ter sido feito, ou, executou algo que estava proibido, deverá
arcar com o custo de sua negligência; da mesma forma também deverá ser restituído
ao credor a quantia subtraída por aquele que não pagou quantia pecuniária em
data preestabelecida na nota promissória.
Várias modalidades de relações estão
espalhadas pelo corpo da sociedade e a cada dia se multiplicam. Entretanto, algumas
delas são regidas pela legislação ou seus efeitos tem previsão legal, então
teremos uma relação jurídica que gera fatos jurídicos.
A expressão fatos
jurídicos, em seu sentido amplo, engloba todos aqueles eventos, provindos
da vontade humana ou decorrentes de fatos naturais, capazes de ter influência
na órbita do direito, por criarem, ou transferirem, ou conservarem, ou
modificarem, ou extinguirem relações jurídicas. (RODRIGUES, 2002, v. 1, p.
155).
Os fatos jurídicos são os que interessam ao
processo porque são eles que acarretam os conflitos de interesses merecedores
de solução.
Dizemos que são os fatos jurídicos que nos
interessam, e não os atos jurídicos, por simpatizarmos à teoria de Enrico Tulio
Liebman, conforme exposto por Medina (2004).
Estes conflitos de interesses decorrentes do
não cumprimento da obrigação é dão vida ao inadimplemento. É ele um dos
elementos necessários para a instauração do processo de execução. Sem
inadimplemento não se pode falar em execução.
O Código de Processo Civil é expresso ao
incluir o inadimplemento entre os
requisitos indispensáveis para realizar qualquer execução (arts. 580 ss.)
precisamente porque, sem o estado de insatisfação representado por uma crise
dessa ordem, não haveria razão para executar; faltaria, em uma linguagem mais
técnica, a necessidade da tutela
jurisdicional e, consequentemente, o interesse de agir
(interesse-necessidade - supra, n.
544, e infra, n. 1425). Obviamente,
não se pode cogitar de adimplemento se o crédito não for exigível, ou enquanto não o for (infra, n. 1425).
‘Considera-se inadimplente o devedor que não
satisfaz espontaneamente o direito reconhecido por sentença ou a obrigação a
que a lei atribuir a eficácia de título executivo’ (CPC, art. 580, par.). Mas
essa ideia acomoda-se melhor no conceito de mora
que no de inadimplemento, definida aquela como a situação do devedor que não efetuar o pagamento no
tempo, lugar e forma convencionados (CC, art. 394); não foi nem podia ter
sido intenção do legislador exigir que, para a execução, exista uma situação de
inadimplemento absoluto, que se
caracteriza pela impossibilidade total e definitiva de chegar à satisfação do
direito (CC, art. 395, par.). A exigência de inadimplemento, ou mora,
associa-se ao requisito da exigibilidade
do crédito, sem a qual não se executa (CPC, arts. 586, 741, inc. II, etc. – infra, nn. 1.421-1.422). Se o
devedor oferecer coisa diferente da devida, a recusa pelo credor será legítima
(CC, art. 313) e ele terá interesse processual à execução (CPC, art. 581); se
oferecer quantidade ou valor abaixo do devido, o interesses reduzir-se-á à
diferença, salvo se o devedor lhe houver exigido quitação integral, caso em que
a execução se fará pelo todo (CC, art. 319). (DINAMARCO, 2009, p. 57).
Diríamos ainda que o inadimplemento pode se dar
quando o devedor age diversamente da maneira prometida, fazendo com que a
surpresa do não cumprimento traga consequências indesejadas. Portanto, não
adimplida a obrigação, logicamente, estará consumado o inadimplemento, restando
ao credor a possibilidade de reclamar ao Estado a violação de seu direito.
Porém, aliado ao inadimplemento, é
necessário que o credor esteja munido do título executivo, porque sem ele é
impossível pensar-se em execução. Não é, somente, o descumprimento da obrigação
que permitirá a instauração de um processo executivo e a prática de atos
expropriatórios do patrimônio alheio.
Para que isso ocorra o legislador impôs
certas condições, vez que, a execução é a forma jurídica de satisfazer o
direito por meio de atos de agressão patrimonial ou psíquica, de maneira rápida
e objetiva.
O próprio despacho inicial do processo de
execução é diferente dos demais existentes, bastando analisar que o devedor é
convidado a pagar sua dívida em três dias, não importando a relação de direito
material subjacente no título. Ainda, mesmo que apresentada defesa em face da
execução, ela não será abalada já que, a atribuição de suspensividade aos
embargos dependerá de garantias e de argumentos relevantes capazes de
demonstrar que a marcha executiva poderá trazer danos ao devedor. Ora, o efeito
suspensivo dos embargos é medida difícil de ser alcançada, vez que, é preciso a
configuração de todos os requisitos expostos acima, elencados no art. 739-A,
§1º do Código de Processo Civil.
É em razão desta possibilidade de rápida
invasão aos bens do devedor que se faz necessário a apresentação, ao juiz, de
provas da consolidação do inadimplemento juntamente com o título executivo
correspondente. Este último é imprescindível à execução forçada, pois, é por
meio dele que se saberá qual tipo de tutela será adequada para a solução do
litígio.
Há que lembrar que o título não se confunde
com o documento que representa. Primeiramente, o título é fruto da relação
jurídica existente entre as partes e que foi destacada pelo legislador para
possuir força executiva.
Esta relação tem em sua essência a autonomia
e manifestação da vontade das partes, com reflexos estabelecidos em termos
legais. Somente com a formação do negócio dentro da legalidade que poderá se
falar em formação de título executivo.
Já o documento é fonte de prova da
existência do título, ou seja, do fato dotado de força executiva. Assim, o
cheque não é título executivo, mas sim a promessa do pagamento contido no
documento. Portanto, a carga probatória contida no documento faz crer na
existência de uma relação jurídica da qual o emitente comprometeu-se em pagar
determinada quantia. O documento é o meio de prova para confirmação da
obrigação, enquanto que, a executividade está no fato de eventual
descumprimento. Em outras palavras pode se dizer que o documento representa a
dívida, sendo esta última o fato jurídico que poderá ser dotado de força
executiva.[1]
Por título executivo deve-se entender que é
todo fato que o legislador emprestou executividade. Sabemos que todo fato que é
jurídico pode ser objeto de súplica perante o Estado-juiz. No entanto, nem
todos os fatos possuem eficácia executiva.
É o legislador quem opta qual será o fato
que poderá ser pleiteado em juízo com força executiva. Exemplo desta força
executiva são as obrigações representadas pelo cheque, nota promissória,
sentença condenatória ou homologatória e etc.
A norma jurídica estabelece o que é título
executivo, conferindo ao seu detentor o privilégio de saltar sobre a cognição e
iniciar a realização prática de seu direito já no despacho inicial do juiz.
Não foi entregue à vontade das partes ou a
do juízo a criação de títulos executivos, esta é missão exclusiva da norma
legal. É ela quem elenca qual fato será dotado de executividade. Cabe ao
legislador observar no corpo de sua sociedade os fatos que se repetem com
frequência e que, além disso, sejam idôneos, e que esteja carregado de
previsibilidade de certeza de existência do direito. Trocando em miúdos, a
força executiva será estabelecida pelo legislador, quando o fato for capaz de
em si conter forte indício de verdade e de existência de direito em favor do
detentor do título. Estes são fundamentos para a escolha de um título
executivo.
Por isso não pode ser título executivo fatos
não idôneos onde paira sobre eles dúvidas acerca do grau de probabilidade de
certeza. A falta destes elementos perverterá a ordem social e abrirá as portas
para a prática de atos arbitrais que não se identificam com o valor justiça e
segurança jurídica.
Desta forma, após a detida observação de que
determinado fato gera consequência jurídicas, sendo este certo, idôneo e repetitivo,
então certamente será ele escolhido pelo legislador para ser investido de
executividade.
Estando o fato acobertado pela
executividade, então passará ele a levar a chancela de título executivo. É
nesta transição de fato jurídico para título executivo que reside o princípio
da abstração. Ensina o jurista Medina:
[...] o direito processual civil deve se adequar à realização de determinados fins.
Considerando que a finalidade da execução forçada é a obtenção do bem devido, a
norma jurídica confere a determinado suporte fático a eficácia de possibilitar,
por si só, a realização daquele objetivo, prescindindo-se da verificação da
existência do próprio direito. Nisto consiste a chamada eficácia abstrata (ou
abstração) dos títulos executivos. (MEDINA, 2004, p. 146).
Esta abstração que impõe a impossibilidade
de se discutir, dentro do processo de execução, a origem da obrigação. É que a
idoneidade e a probabilidade de certeza do direito subjetivo ameaçado ou
violado já foi objeto de análise detida pelo legislador antes que ele viesse a
se tornar título executivo. Sendo assim, é inadequada e inadmissível a abertura
de qualquer debate acerca do direito material subjacente no título.
Portanto, fica justificado o porquê da
exigência concomitante do inadimplemento e do título executivo para a
propositura de qualquer execução forçada. Até mesmo a execução decorrente de
título executivo judicial, pois, o legislador foi quem conferiu poder ao juiz
para sua criação.
Evidente fica que a executividade de fatos
idôneos, carregados de previsibilidade de certeza do direito, sempre dependerá
de norma legal que o determine como título apto a embasar o processo de
execução.
[1] O documento pode ser
comparado com a ponta de um iceberg, aquilo que se vê na superfície. Enquanto
que a executividade estaria na base deste bloco, seria a parte submersa que
sustenta toda a estrutura saliente nas águas. No nosso caso, juridicamente, o documento
não goza de eficácia executiva, mas sim, o fato jurídico elevado pelo
legislador a título executivo.
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