1. Lições propedêutica
Não é possível conceber a coexistência entre pessoas sem a
existência do direito. Para o convívio harmônico da sociedade, imprescindível é
a incidência de normas jurídicas para o equilíbrio das relações socais.
Por isso que, inevitavelmente, onde há sociedade está o
direito (ubi societas ibi jus),
exercendo verdadeira função ordenadora, organizando, compondo e controlando os
conflitos.[1]
Não seria possível a vida em sociedade sem o direito.
Porém, mesmo com todo sistema jurídico vigorando, é fato o
surgimento de conflitos entre as pessoas, seja porque determinado bem não fora
entregue, ou porque o direito proíbe a satisfação voluntária de uma pretensão.
Diante deste quadro, haverá a insatisfação da pessoa,
representando um fato antissocial. Nestes casos, a eliminação se dá por meio da
autotutela, autocomposição ou heterocomposição.
No primeiro caso, se tem o uso da força, a justiça privada,
ou melhor, a vingança, caracterizada pela
lei do mais forte. Já a autocomposição importa no sacrifício ou renúncia do próprio direito colocado em jogo. Por fim, a heterocomposição é a composição realizada por um terceiro.
lei do mais forte. Já a autocomposição importa no sacrifício ou renúncia do próprio direito colocado em jogo. Por fim, a heterocomposição é a composição realizada por um terceiro.
2.
Uma
história da Jurisdição
Atualmente, ao se deparar com uma pretensão resistida, ou de
um delito, a pessoa dispõe de um sistema estatal todo aparelhado, delineado e
guiado por normas abstratas e gerais, capaz de conferir socorro ao direito
violado.
Todavia, nem sempre foi assim.
Na fase primitiva tínhamos o predomínio da autotutela, ou
seja, a vingança privada, o uso da força pelo mais forte sobre o mais fraco.
Não vencia quem tinha direito, nem se preocupava em ver a justiça feita, mas
tão somente, a predominância do mais forte sobre o mais fraco.
Neste período não se falava em juiz ou regras gerais, mas sim
no uso da força, sendo fácil perceber que não se preocupava em evidenciar quem
tinha razão na disputa, deixando grande espaço para a consolidação de
injustiças.
Além da autotutela era utilizada também a autocomposição, que
consistia na possibilidade de uma das partes renunciar seu direito, ou a
resistência à pretensão, como também ambas transacionarem sobre o objeto em
jogo.
As partes quem decidiam sobre o litígio. Portanto, perceba-se
que tanto a autotutela como a autocomposição são marcadas pela solução parcial
de conflitos.
Com esta percepção é que as pessoas começaram a confiar a
solução de seus problemas aos sacerdotes e anciãos, nascendo assim a figura do
juiz.[2]
Este sistema perdurou até quando o Estado iniciou seu
aparelhamento. É no Direito Romano Arcaico que (de 753 a.C. até II a.C.) que se
percebe a absorção de algumas tarefas pelo Estado. Nesta fase temos a Lei das
XII Tábuas, com a presença do pretor.
As partes buscavam-no para firmar um compromisso de aceitar o
que viesse a ser decidido pelo árbitro (judex),
sujeito este da confiança das partes. Este compromisso recebia o nome de litiscontestatio.[3]
Embora o Estado estivessem presentes no compromisso firmado
pelas partes, a realização da justiça ainda era privada, tratando-se de
verdadeira arbitragem facultativa.
Após o período arcaico, tem-se o Direito Romano Clássico (séc.
II a.C. ao séc. II d.C.). Não se praticava mais a autotutela como outrora,
sendo a escolha do árbitro realizada pelo Estado, passando a arbitragem a ser
obrigatória. Nessa fase surgem os legisladores, que criaram regras abstratas e
vinculantes que serviam de critério para fundamentar as decisões.
A reunião destes dois períodos marcou a fase conhecida como ordo judiciorum privatorum).[4]
Inicia-se no séc. III d.C. a fase denominada de Direito
Romano Pós-Clássico, fase esta em que o Estado já se encontra aparelhado,
extinguindo a figura do judex, pois,
agora sua função foi incorporada ao pretor que, por sua vez, passou a proferir
sentença, ao invés de simplesmente nomear um árbitro.
Destaca a doutrina que “essa nova fase, iniciada no século
III dC, é, por isso mesmo, conhecida por período da cognitio extra ordinem. Com ela completou-se o ciclo histórico da
evolução da chamada justiça privada para
a justiça pública.”[5]
Agora os juízes substituem a vontade das partes, estando o
Estado devidamente aparelhado, exercendo os magistrados atividade
jurisdicional, em outras palavras, Jurisdição.
Neste contexto histórico, temos o nascimento do processo, vez
que, agora as partes não podem mais fazer justiça com as próprias mãos e nem
escolher o árbitro para executar as decisões, pois, o Estado chamou-se para si
tais atribuições.
Tanto o é que, atualmente, está tipificado no Código Penal
brasileiro os atos unilaterais praticados com escopo de promover a justiça:
artigos 345 e 350. Não é demais dize que a justiça é processualizada, sendo o
processo um instrumento a serviço da jurisdição para a pacificação dos
conflitos sociais, com justiça.
No estágio atual, o processo é estabelecido sobre uma forma
onde as regras são previamente estabelecidas por códigos relativos à cada
matéria (civil, penal e trabalhista), conferindo às partes segurança e
conhecimento dos atos quais atos serão praticados. Isso tudo é parte da
consolidação do devido processo legal (art. 5º, LIV da CF), princípio absoluto
em matéria processual.
É conferido ao réu direito de contradizer o que é dito pelo
autor (art. 5º, LV da CF),
materializando o princípio do contraditório, sem omitir que as partes
poderão produzir toda prova lícita para o desfecho do processo (princípio da
ampla defesa).
No entanto, toda esta estrutura é cara, seja porque o preço
(preparo) de petições e recursos tem preço, seja porque as perícias realizadas
no curso do processo são de alto valor.
A preocupação com o tempo é salutar nos tempos atuais, não só
pelos participantes do processo, como também foi objeto de angustia pelo
legislador, conforme o art. 5º, LXXVIII da CF.
Nem sempre o Estado é diligente na observância dos prazos, e,
aliado a isso, temos o alto volume de processos que abarrotam os tribunais e o
descaso do poder público em insistir em não aparelhar a máquina estatal com
tecnologia e pessoal.
Esta é uma das razões que motivam as pessoas a, cada vez
mais, procurarem meios alternativos para a resolução dos conflitos:
conciliação, mediação e a arbitragem.
3.
Controle
indispensável da Jurisdição
Existem direito que, por sua natureza, não podem ser objeto
de autotutela ou autocomposição. Necessariamente, só pode ser regidos pela
jurisdição, após transcorrer todo o curso do processo, com a produção de provas
em contraditório e, ao final, a resolução do conflito pelo Estado-juiz.
Exemplo disso ocorre no âmbito do Direito de Família, nas
questões ligadas ao estado e capacidade das pessoas, como também nos direitos
da personalidade. Não há como compor sobre a capacidade de uma pessoa, somente
o juiz pode declarar alguém incapaz.
O mesmo se dá com a matéria penal, onde o juiz define, com
base nas provas e no direito, se é caso de absolvição ou condenação do réu. Por
isso o brocardo: nulla poena sine judicio.
Esta sempre foi a regra.
No entanto, com a edição da Lei 9.099/95 que instituiu os
juizados especiais cível e criminal, passou-se a admitir a realização de
transação penal para os crimes de menor potencial ofensivo.
Exemplo da flexibilização da extrema indisponibilidade de outrora, temos a suspensão condicional
do processo, a necessidade de representação para crimes de lesão corporal leve
e outras mais.
Outro exemplo que ouso inserir neste rol de flexibilização da
ritualística processual exauriente foi a promulgação da Lei 12.830/2013, onde é
possível negociar (colaborar) com o membro do Ministério Público, podendo o
sujeito sequer ser preso.
4.Acesso à
justiça
Uma das grandes preocupações dos doutrinadores da metade do
século passado era o acesso à justiça. Isso porque o processo – principalmente
o civil – tem alto custo, o que inviabiliza muitas pessoas de se socorrerem no
Judiciário.
Como se poderia falar em pacificação dos conflitos sociais se
as pessoas não conseguem acessar os tribunais? Além disso, outra questão sempre
foi levantada: a efetividade.
Não basta ao sujeito acessar a justiça, devendo o Estado
garantir o acesso à ordem jurídica justa.[6]
Em resumo, ao tratar do acesso à justiça é incumbência do
processualista criar meios para que a maior número de pessoas possam alcançar
proteção junto ao Judiciário, e, ao mesmo, deve-se buscar sempre a efetividade
do processo. “Todo processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e
precisamente aquilo que ele tem o direito de obter.”[7]
O acesso à justiça é um princípio que está em constante
expansão. Prova disso são as ferramentas de acesso das massas, como por exemplo
a ação civil pública, o mandado de segurança coletivo, onde apenas um ingressa
em juízo representando, quiçá, milhares de pessoas, como ainda a gratuidade da
justiça para as pessoas necessitadas.
Além de se garantir o acesso à justiça, é preciso atenção
para que este acesso seja balizado nos moldes do devido processo legal, para
que as partes possam, em contraditório, participar ativamente na formação da
decisão judicial.
[1] GRINOVER, Ada
Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 25ª Edição. São Paulo: Editores Malheiros, 2009, p. 25.
[2] GRINOVER, Ada
Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 25ª Edição. São Paulo: Editores Malheiros, 2009, p. 26 e 27.
[3] GRINOVER, Ada
Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 25ª Edição. São Paulo: Editores Malheiros, 2009, p. 28.
[4] GRINOVER, Ada
Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 25ª Edição. São Paulo: Editores Malheiros, 2009, p. 28 e 29.
[5] GRINOVER, Ada
Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 25ª Edição. São Paulo: Editores Malheiros, 2009, p. 29.
[6] GRINOVER, Ada Pellegrini;
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 25ª Edição. São Paulo: Editores Malheiros, 2009, p. 39.
[7] GRINOVER, Ada Pellegrini;
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 25ª Edição. São Paulo: Editores Malheiros, 2009, p. 41.
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